Estilo, a trajetória e as controvérsias de Eduardo Campos; ÉPOCA publicou perfil em 2013
O governador Eduardo Campos, de Pernambuco, é um ótimo piloto de cadeira
giratória de rodinhas. Logo ao sentar-se, elegante e espaçoso, já
sublinha a que veio. A cadeira é uma das 13 de uma gnuto de sossego por quase três horas. Campos a manobra para todos os
lados possíveis, a esporeia com o ritmo acelerado de sua fluência verbal
e, quando a leva, num tiro curto, em direção ao interlocutor, o dorso
ainda atlético de 47 anos também assoma, enfático. Seus translúcidos
olhos verdes sãrande mesa preta, em forma de U, na sala de reuniões contígua a seu gabinete. Não terá um mio, surrupiando um autor contemporâneo, como pássaros
querendo voar para fora da cara. Campos é, sobretudo, olhos. Na beleza
variante da cor, que fisga a atenção, e, principalmente, na mirada, no
manejo que lhes sabe dar, ora águia, ora cobra, focados na sedução.
“Sedutor” é um recorrente qualificativo até entre adversários regionais –
como o senador Humberto Costa, do PT, ou o deputado federal Mendonça
Filho, do DEM. Campos sabe que, nos dois casos, o sentido é “cuidado com
ele!” – ambos, afinal, são vítimas de peia eleitoral. Mesmo assim, não
desgosta.
Não é o caso quando é chamado de “coronel”,
como fez a revista britânica The Economist em reportagem recente, que
também registrou seu lado de gestor dinâmico e empreendedor à frente do
Estado que governa pela segunda vez, com aprovação recorde – 89% na
última pesquisa. Provocado – “O senhor leva mesmo um jeitão de
coronel...” –, Campos não esconde o desconforto. Leva a cadeira para a
frente e para trás, dá uma brusca freada de general e responde:
–
Isso só acontece quando alguém nasce por aqui. Nunca vi um rótulo
desses num político carioca, paulista ou mineiro. Então lamento, porque é
uma coisa desqualificando. Que maneira tenho de botar ordem aqui? “É um
coronel.” Tá bom. (Falar) é um direito (deles). Fazer o quê?
Entre
dez governadores pesquisados pelo Ibope no final do ano passado, Campos
obteve a maior aprovação: 34% acham sua gestão “ótima”; 45%, “boa”;
15%, “regular”; 4%,“ruim”; e 3%,“péssima”. É tamanha popularidade que
explica por que tantos políticos têm se aproximado dele e que seja
impossível discutir a sucessão da presidente Dilma Rousseff sem que seu
nome venha à tona. Ele próprio negou, em entrevista publicada por ÉPOCA
em dezembro, que pretenda se candidatar à Presidência. Na ocasião, disse
que “sem dúvida” apoiaria a reeleição de Dilma. É nessa canoa que os
pés de Campos estão, ambos. Antes da eleição municipal de Pernambuco, o
ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva estava disposto a costurar sua
candidatura a vice, já em 2014. Depois que Campos praticamente humilhou o
PT, ao lançar candidato
próprio à prefeitura do Recife – e vencer –, Lula e Dilma sabem que
ficou mais difícil. O desejo de ambos é mantê-lo na canoa para, quem
sabe?, um voo solo em 2018. Ser ministro de Dilma reeleita, em Pasta de
visibilidade, é uma possibilidade.
Seu
peso político e sua popularidade são resultados de sua gestão.
Pernambuco é a décima economia do país e soma 2,5% do PIB brasileiro –
mas tem crescido de modo mais consistente e mais rápido que o país: 4,2%
ao ano entre 2002 e 2010, para uma média nacional que beira os 4%, de
acordo com o IBGE. Na avaliação do secretário estadual de Planejamento,
Fred Amâncio, o crescimento será ainda mais expressivo quando entrarem
em operação megainvestimentos em implantação. É o caso da fábrica da
Fiat, no município de Goiana, e da Refinaria Abreu e Lima, no complexo
industrial de Suape. As duas iniciativas ajudaram a mudar o perfil
econômico do Estado. A participação do setor industrial na riqueza de
Pernambuco passou de 10% para 25%. Outra mudança significativa
implementada por Campos foi na educação. Ele investiu no ensino básico
e, num projeto-piloto, 200 escolas do Estado passaram a dar aulas oito
horas por dia, em vez de quatro. Também aumentou o salário dos
professores e ofereceu-lhes bônus por desempenho. O objetivo é estender
essa política a todas as escolas públicas e incentivar as cidades a
fazer o mesmo no âmbito municipal.
“Conheço,
hoje, categoricamente, cada lugarzinho desse Estado”, diz Campos,
apontando um mapa ampliado, com os 185 municípios de Pernambuco, na sala
de reuniões onde deu entrevista a ÉPOCA. Salas com mesa em U viraram um
ambiente-padrão do governo eduardiano. É nelas que ocorrem as temidas e
tensas reuniões de monitoramento – onde Campos controla, um olho no
gato, outro no peixe, se seus subordinados estão cumprindo as metas.
TPM, lá, ganhou o apelido de Tensão Pré-Monitoramento. “Falam até em
tortura chinesa”, diz o secretário de Imprensa, Evaldo Costa.“Para quem
não faz seu dever, né?”, diz Campos.
Não
é retórica. Em Pernambuco, em seu primeiro mandato, monitoramento e
gestão saíram do discurso para virar leis. Uma detalhou formas de
controlar cada ação do governo. Outra criou os cargos técnicos
necessários para isso. No ano passado, Campos comandou 36 dessas
reuniões, coisa de 148 horas de peroração e 1.300 encaminhamentos
práticos. Liga na hora para ministros que possam liberar recursos
contratados ou desemperrar a burocracia. Ou então para empresários que
não cumprem o cronograma do contrato. No caso de um hospital atrasado, o
empresário prometeu pôr a equipe a braços até nos fins de semana. No
primeiro domingo, à Jânio Quadros, Campos foi à obra, conferir. Era um
deserto – de lá mesmo, por telefone, ele esbravejou. Como conhece em
detalhes o varejo e o atacado de todas as metas que pretende atingir –
neste ano são 361 –, Campos não tem pejo em falar mais grosso. Muito
menos de chamar à fala, até grosseiramente, quem tenta enrolar. “Não dou
intimidade a problema”, diz. Para este ano, estão previstas 40 reuniões
de monitoramento, somando 150 horas. É claro que essa dinâmica, que
estica nervos, impõe uma cascata de reuniões de monitoramento em todos
os órgãos da máquina estadual. O estágio de cumprimento das metas recebe
cores – verde, amarelo e vermelho. “Estou verde, governador!” – no
sentido de ter cumprido a meta – é frase que o enleva.
Campos
trabalhou e continua trabalhando para não ter adversários públicos que
mereçam o nome. Sua penúltima façanha foi a inacreditável aliança com o
senador Jarbas Vasconcelos. Aliado antigo – quando prefeito (1986-1988),
Campos, então no PMDB (de 1983 a 1990), ganhou seu primeiro cargo
público –, Jarbas virou o renhido e bocudo adversário nos últimos anos.
Para só citar um exemplo recente: fez barulho, em 2011, seu
pronunciamento no Senado contra a ida de Ana Lúcia Arraes de Alencar,
mãe de Campos, para o Tribunal de Contas da União. “Isso não é
modernidade”, disse Jarbas. “É nepotismo, é política do compadrio, do
coronelismo. É atraso do pior tipo possível. É um exemplo do vale-tudo
na política.” Como engolir um sapo desses? “Em hora nenhuma ele fala de
minha mãe”, diz Campos, dando palmadas rítmicas no braço direito da
cadeira. “Houve um sinal de amigos comuns dizendo que Jarbas queria
falar comigo. E aí eu disse: ‘Não tem problema, como ele quiser fazer’.”
Ana
Lúcia Arraes de Alencar e o quase bacharel em Direito Maximiano Accioly
Campos apaixonaram-se, no Recife, em 1963. Marcaram o casamento para 9
de agosto de 1964. Maximiano, boa estampa e filho de usineiro, tinha 23
anos, um temperamento difícil e um romance pronto (Sem lei nem rei, hoje
facilmente encontrado pela internet). Ana era linda e tinha 18. Seu
pai, Miguel Arraes de Alencar, governador deposto de Pernambuco, era
preso político na ilha de Fernando de Noronha. Estava na cadeia desde o
golpe militar de 1964, a que não aderiu (ao contrário de seu
vice-governador, que assumiu o posto). Órfã de mãe – que morrera, com 36
anos, em 1961 –, Ana Lúcia não se conformou em casar sem a presença do
pai. Destemida, foi ao general de plantão. Campos, emocionado, narra
assim:
– Não lembro se foi o (general Antônio) Bandeira ou se foi o (general) Justino (Martins).
Ela foi lá e disse: “Olhe, ele é um preso político, mas ele é pai. Eu
tenho 18 anos, já não tenho mãe e gostaria de ter o direito de meu pai
estar no meu casamento”. O general autorizou o casamento na Base Aérea.
Doutor Arraes foi levado em avião militar, com um aparato repressivo
completo. Porque havia, do lado da repressão, versões de que seria uma
oportunidade para ele ser resgatado. Ele só assistiu ao casamento e
voltou.
Eduardo Campos, em campanha em 2006 |
Campos
não fica à vontade quando a conversa passa pela história do pai.
Escritor compulsivo e angustiado – deixou uma obra extensa, com altos e
baixos, que Tonca não cansa de reeditar (com patrocínio do governo
federal) –, Maximiano sofria de depressão. Nos maus momentos, que não
foram poucos, todos em volta sofriam com ele. Nos bons, era ótimo.
Campos fica circunspecto e emocionado quando ouve a leitura de frases
literárias de Maximiano: “A gente não pode acreditar somente no que vê. O
que a gente vê é muito pouco para o que existe no mundo”; “O que dá
valentia ao homem não é o lugar que ele nasce. É o gênio que possui e a
necessidade da hora”.
“Meu
pai deixou para nós um legado de muita austeridade”, diz Campos. “Foi
um homem de muita coragem, muito leal, muito sério, um homem que sempre
valorizou o conhecimento.” Um de seus amigos, o poeta Ângelo Monteiro,
escreveu seu perfil: “Uma de suas características mais notáveis
consistia em seu olhar de observador que, logo à primeira vista, deixava
as pessoas um pouco perplexas: porque costumava observar, assim que lhe
eram apresentadas, dos pés à cabeça. Com aquele seu ar de amável
mafioso, as pessoas, arrastadas por sua ágil conversação, terminavam, já
descontraídas, bem menos perplexas. Esses e outros ingredientes, entre
os quais uma afiadíssima ironia e uma capacidade de imitar tipos e
situações vexatórias, faziam dele um dos melhores conversadores que
conheci”.
Está
aí, afora o “amável mafioso”, uma boa aquarela do filho governador, e
socialista, também um craque na arte de contar causos e fazer imitações.
Dia desses, em jantar no Planalto, com outros convidados, fez a
presidente Dilma dar risada com imitações do ex-presidente da Câmara
Severino Cavalcanti. Durante a entrevista, Campos manobrou a cadeira
para bem perto da mesa e incorporou um impaciente Doutor Arraes
tamborilando nervosamente a borda, falando muito baixinho.
– É verdade que Arraes grunhia, de propósito, para o interlocutor desistir da conversa?
– Isso é o folclore que conta. Na verdade, os sertanejos falam muito
baixo, até para gastar menos energia. É fisiológico. Os Arraes falam
muito assim. A conversa dele com as irmãs é um negócio que você achava
que tinha de botar um aparelhozinho. E se entendiam (imita a conversa).
Uma cena bizarra.
Em
1979, aos 13 anos, Dudu reviu o avô quando ele voltou do exílio. O
ex-ministro da Justiça Fernando Lyra (e irmão do vice-governador João
Lyra) lembra, em seu apartamento com vista para o mar, em Jaboatão dos
Guararapes, que o garoto já ajudara na panfletagem de sua campanha
vitoriosa a deputado federal, pelo MDB, no ano anterior. “Eduardo foi
precoce”, diz Fernando Lyra. O então líder metalúrgico Lula estava
presente na concorrida recepção a Miguel Arraes – e essa foi a primeira
vez que Campos o viu.
Eduardo, Dilma e Lula, na campanha de 2010 |
Em
1992, sofreu sua única derrota eleitoral: quinto lugar, com 25.605
votos, na eleição em que 270 mil levaram Jarbas pela segunda vez à
prefeitura do Recife. Ele não fica feliz em lembrar. Uma pirueta na
cadeira depois, diz: “Eu era um menino, uma criança”. Tinha 25 anos. Em
1994, os deputados estaduais Campos e João Paulo Lima e Silva (hoje
deputado federal pelo PT) tentaram impedir, com outros parlamentares,
que a polícia do governador Joaquim Francisco – hoje suplente do senador
petista Humberto Costa – cumprisse uma ordem de despejo contra
posseiros do Sítio Grande, na periferia do Recife. A polícia os
espancou. João Paulo quebrou quatro costelas. Campos trincou uma. “Foi
pancada de todo lado”, diz Campos. “Ele foi corajoso”, diz João Paulo,
em seu escritório no 1o andar de um hotel três estrelas, na Praia do
Pina. João Paulo foi duas vezes prefeito do Recife e secretário no
primeiro mandato de Campos. Ele conta que se exonerou porque não
conseguiu demitir duas funcionárias protegidas de sua mãe, Ana Arraes. A
seu estilo, diz João Paulo, Campos nunca disse a ele que as deixasse em
paz. Apenas deixou de recebê-lo. João Paulo sentiu-se desrespeitado – e
saiu. Só se reaproximaram na campanha vitoriosa de Dilma. “Eduardo tem
um jeito encantador de conquistar”, diz João Paulo. “Ele envolve,
valoriza, chama na casa dele.”
No
mandato seguinte de Arraes (1995-1999), Campos licenciou-se da Câmara
para ser, primeiro, secretário de Governo. Depois, secretário da
Fazenda. No cargo, foi denunciado, pelo Ministério Público Federal, por
emissão fraudulenta de títulos públicos para pagar dívidas pendentes. O
caso entrou para a história como “escândalo dos precatórios” e resultou
numa rumorosa CPI no Senado – onde Campos depôs, negando a denúncia (a
íntegra do relatório da CPI está disponível na internet). A oposição
local fez a festa, Jarbas Vasconcelos à frente. A vida virou um inferno.
Campos apagou o fogo elegendo-se deputado federal pela segunda vez, o
mais votado do Estado. Em novembro de 2003, o Supremo Tribunal Federal,
por maioria, rejeitou a denúncia. A decisão não evitou que o Conselho de
Recursos do Sistema Financeiro Nacional, o “Conselhinho”, o impedisse,
em 2009, de ocupar cargos de administração ou gerência em instituições
na área de fiscalização do Banco Central do Brasil (bancos e
instituições financeiras). Em março de 2012, os advogados de Campos
obtiveram uma liminar que suspendeu a penalidade do “Conselhinho”.
Eduardo mantinha boas relações com diferentes lideranças políticas |
Maximiano
morreu, de complicações cardíacas, em 6 de agosto de 1998. Havia muito
estava separado de Ana, ambos com novos parceiros. Foi naquele ano que
escreveu o poema “Para Eduardo”. O filho era deputado federal. O poema
está no livro Do amor e outras loucuras. Na última capa de edição
recente, organizada por Tonca, com patrocínio do Ministério da Cultura,
da Petrobras, dos Correios e da Chesf, a epígrafe é do poeta Ângelo
Monteiro: “Os meus estandartes sem culpa te incomodando”. Um trecho do
poema diz assim:
Luto limpo,
sem calúnias, emboscadas,
mentiras, perfídias.
Com
Campos livre dos precatórios, pelo Supremo, Lula pôde fazê-lo ministro
da Ciência e Tecnologia. Ele assumiu em janeiro de 2004 no lugar de seu
companheiro de partido, Roberto Amaral.“Eduardo é um quadro que não
precisa de ghost-writers e que não abandona projetos”, diz Amaral.
Campos tem sua versão para Lula ter se encantado com ele: o apoio desde a
campanha de 1989 – quando o candidato de seu então partido, o MDB, era
Ulysses Guimarães. Em 1994, contou, Lula ficou particularmente grato por
ele ter assumido a responsabilidade pelo comício de encerramento da
campanha, no Recife. Em 1998, Campos também somou. Em 2002, foi de
Garotinho, no primeiro turno – “o partido decidiu...”, diz –, mas estava
com Lula no segundo.
A
melhor explicação para o encanto, que ainda é mútuo, é que o santo dos
dois bateu na primeira hora. Lula transferiu para ele o carinho que
tinha pelo avô – e Campos soube fazer-se sentir como um querido
afilhado. Ambos admiram-se em características semelhantes – carisma, bom
humor, capacidade de seduzir (Campos menos), autoridade para mandar
(Campos muito mais), conversa para boi dormir (no melhor sentido da
expressão) e capacidade de correr atrás e de fazer acontecer. Campos
soube ser fiel nos momentos em que Lula precisava. Em 2005, retirou sua
candidatura à presidência da Câmara em favor de Aldo Rebelo. Pesou na
balança no vendaval de 2005, em meio às denúncias de Roberto Jefferson,
acalmando congressistas que queriam pôr na pauta pedidos de impeachment
contra Lula.
Campos
decidiu ser candidato a governador em 2005, quando ainda era traço nas
pesquisas. Com poucos abnegados, palmilhou missionariamente o interior
pernambucano, e venceu a disputa. Abatido pelo Escândalo dos Vampiros, o
ex-ministro da Saúde e senador Humberto Costa, do PT, não passou ao
segundo turno. “Eduardo é um sujeito completamente obcecado pelo poder.
Nessa obsessão, são poucos os limites”, diz ele, em seu escritório do
Recife. O deputado federal Mendonça Filho, do Democratas, perdeu para
Campos no segundo turno. “Eduardo tem mostrado muita astúcia e
capacidade de trabalho”, afirma Mendonça Filho.
Como
governador, o sedutor Campos soube e sabe atrair os recursos do governo
federal petista – de longe o maior investidor na economia local, desde o
primeiro governo Lula. Para citar só o PAC 2, dados oficiais do
Ministério do Planejamento mostram que, entre 2007 e 2010, o
investimento federal foi de R$ 33 bilhões. De 2011 a 2014 a previsão é
de R$ 53 bilhões. Lula gostava tanto de Campos que, em novembro de 2005,
dois meses depois da morte de Arraes, ofereceu a Campos, a sua mãe, a
três tios paternos e a dois sobrinhos uma supercarona no jato
presidencial da época, o Sucatão, para que a família do ex-exilado na
Argélia pudesse comparecer à homenagem oficial que lhe ofereceu o
Ministério das Relações Exteriores daquele país. Os Arraes aproveitaram
uma providencial missão comercial à Argélia, liderada pelo então
ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio, Luiz Fernando Furlan.
Na volta, preito cumprido, pagaram avião de carreira.
O
reeleito presidente Lula inundou Pernambuco com recursos de causar
inveja a governadores petistas, como Jaques Wagner (BA) e Marcelo Deda
(SE). No caso da montadora Fiat e da refinaria da Petrobras, a
participação de Lula foi decisiva. Campos fez a contrapartida de uma boa
gestão. Lula chegou a pensar nele para vice de Dilma, na eleição de
2010. Discretamente sondado, Campos nem deixou a ideia prosperar. Queria
a reeleição. Venceu Jarbas Vasconcelos com quase 3 milhões de votos de
diferença, no primeiro turno.
A
primeira estranheza de Lula com Campos foi a insistência empedernida
com que ele quis a mãe como ministra do Tribunal de Contas da União.
Lula já era ex-presidente, não entendeu, mas apoiou. A segunda – já uma
decepção, dele e, até mais, da presidente Dilma – foi Campos ter
humilhado o PT, com crueldade, na eleição para prefeito. Geraldo Júlio,
ex-secretário de Campos, ganhou, já no primeiro turno, de Humberto
Costa. Outro derrotado foi o candidato tucano Daniel Coelho, deputado
estadual. “Eduardo não se satisfaz com a maioria, só com a unanimidade”,
diz Coelho, em seu gabinete na Assembleia Legislativa.
“Nossa
diferença está no conteúdo do governo”, diz Campos. “Pergunte a um
secretário meu: quando você foi nomeado, Eduardo lhe deu um envelope com
três currículos para colocar lá? Pergunte. Nunca agi dessa forma. Eu
delego, desconcentro.” O que mais impressiona, em sua ênfase, além da
coadjuvância da cadeira, é que ele e sua mulher, Renata de Andrade Lima
Campos, têm, somados, umas duas dezenas de parentes ou aderentes em
cargos de confiança
no governo. Tudo dentro da lei, registre-se. O pai de Renata, Cyro de
Andrade Lima, médico gastroenterologista aposentado, é membro remunerado
do Conselho de Administração da Companhia Pernambucana de Saneamento
(Compesa). Cunhada, ex-cunhado, sobrinhos, sobrinhas, primos, tios...
Faz tempo que essa relação veio a público e circula na internet, sem
desmentido dos empregados ou do empregador. O critério de Campos, ao não
aceitar a acusação de nepotismo, é que, em nenhum dos casos, as
indicações ferem o que determina a lei – que não impede que uma estatal
contrate um sogro ou um sobrinho. Um exemplo: no governo federal, seu
tio Marcos Arraes de Alencar foi indicado pela presidente Dilma, a
pedido de Campos, para diretor da estatal Empresa Brasileira de
Hemoderivados e Biotecnologia, Hemobras, onde ocupa a diretoria de
administração e finanças. A cadeira volta a fazer meio círculo: “Fomos o
primeiro governo, dos 27 do Brasil, a aprovar, antes da União, uma lei
contra o nepotismo. Você acha que, a esta altura, se eu tivesse algum
parente que ferisse a lei de nepotismo, já não tinha umas dez ações na
Justiça? Pelo amor do Santo Deus!”.
Pernambuco
também é, hoje, o único Estado do país onde há um jornalista preso, há
quatro meses, sob tutela da Polícia Civil. Ele se chama Ricardo Cesar do
Vale Antunes. Tem 50 anos, 30 de profissão, e divide uma cela no Centro
de Observação e Triagem Professor Everardo Luna (Cotrel), no município
de Abreu e Lima, a 12 quilômetros do Recife. É uma cela para presos com
curso superior, conhecida como prisão especial. “Sou o único preso
político do país”, diz Antunes. “Ricardo é um pobre coitado, um infame,
um miserável”, afirma Campos.
Antunes
está condenado, em primeira instância, pelo crime de lesão corporal
leve – um tapa no rosto de uma funcionária de uma companhia aérea. Como
recorre da sentença, é, tecnicamente, réu primário. Há uma dúzia de
outros processos em tramitação com seu nome – ora como réu, ora como
autor. Em março do ano passado, criou o blog Leitura Crítica. Um dia
escreveu que o “Imperador” Eduardo Campos não cuidava da seca como
devia. Seu personagem preferido era o cientista político, banqueiro e
marqueteiro Antônio Lavareda. Nos meses que antecederam à eleição
municipal, Antunes publicou, no blog, que Lavareda apoiava a campanha de
Geraldo Júlio, o candidato de Campos a prefeito, e que a mulher de
Lavareda fechara um contrato sem licitação com a prefeitura. Publicou
também que Lavareda se aproximara de Campos de olho em sua possível
candidatura em 2014 – algo que ambos negam.
Antunes
foi preso em flagrante, a dois dias da eleição municipal do último dia 5
de outubro, ao sair do escritório de Lavareda com R$ 50 mil, sob a
acusação de extorsão (crime inafiançável) contra ele. Antunes afirma que
não houve extorsão nenhuma. “Os R$ 50 mil eram apenas uma parte do que
Lavareda me devia, e ainda me deve.” Antunes diz que, quando trabalhou
para Lavareda, como assessor de imprensa, agenciou um contrato com a
Confederação Nacional da Indústria e que Lavareda ficou lhe devendo R$ 2
milhões em comissões. Lavareda afirma que estavam quites. A Justiça
decretou a prisão preventiva de Antunes. Seus advogados entraram com
pedidos de habeas corpus. Até aqui a Justiça os rejeitou. A primeira e a
segunda instância recusaram o pedido dos advogados de Lavareda para a
retirada, no blog Leitura Crítica, de todos os textos em que ele está
citado. Seria censura, consideraram. Mas o desembargador da segunda
instância proibiu Antunes de voltar a escrever sobre Lavareda. Procurado
por ÉPOCA, Lavareda negou que tivesse tratado da questão com Campos.
No
final do ano passado, Campos foi espairecer numa viagem à Europa com a
mulher e os quatro filhos. Nada de relaxamento no monitoramento rigoroso
– seu vice, João Lyra, seguiu o cronograma estabelecido. É claro que o
estilo faz alguma diferença – Lyra não tem olhos perscrutadores,
agradecem os monitorados –, mas o controle não se perde. Campos e sua
família – Renata, Maria Eduarda, João Henrique, Pedro Henrique e José
Henrique, para combinar com o seu Eduardo Henrique – passaram 15 dias
principalmente na Itália. O sertão de Pernambuco ardia, como ainda arde,
na pior seca dos últimos 50 anos.
“A
viagem do governador foi um presente dos secretários de Estado”, diz
Evaldo Costa, secretário de Imprensa. Ele estima entre R$ 600 e R$ 1.000
quanto cada um pagou. É possível que, em qualquer outro Estado,
houvesse estranhamento. Mas não em Pernambuco. Para onde quer que se
olhe – imprensa, Legislativo, Judiciário, ONGs, entidades de classe –,
Campos não tem nada que se possa realmente chamar de oposição. São esses
apoiadores os que mais plantam notícias, na imprensa, sobre sua
possível candidatura à Presidência. Campos encerra a questão com uma
frase retórica: “Tem gente que parte do eleitoral para o político. Minha
verdade é partir do político para o eleitoral”.
E dá mais um rodopio na cadeira giratória.
(Texto publicado em fevereiro de 2013)
Revista Época
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