Liturgia da Assunção de Nossa Senhora
Palácio do Campo das Princesas, 18 de agosto de 2014, 10 horas.
“Como em Adão todos morrem,
assim também em Cristo todos reviverão” (1Cor 15,22).
Este é o quinto dia desde a triste e tão dolorosa notícia da tragédia
que vitimou sete irmãos nossos, pelos quais celebramos esta Santa
Missa: os pilotos Geraldo Magela Barbosa da Cunha e Marcos Martins;
Pedro Almeida Valadares Neto; Alexandre Severo Gomes e Silva, Carlos
Augusto Ramos Leal Filho (Percol), Marcelo de Oliveira Lyra e Eduardo
Henrique Accioly Campos, pessoas que contamos entre nossos queridos
familiares e amigos. Entretanto, este dia não é um dia qualquer. Hoje é
Domingo, dia do Senhor, quando celebramos a Páscoa Semanal daquele que
morreu dando a sua vida, oferecendo-a pela salvação do seu povo.
Precisamente hoje, a liturgia da Igreja comemora a Assunção de Nossa
Senhora ao céu. Diante dos corpos de três das sete vítimas do terrível
acidente, é como se estivéssemos diante daquele mesmo calvário que a
própria Maria viveu. Não pensemos que foi fácil o itinerário da sua
vida. Foi escolhida por Deus para uma sublime missão: apesar de
preservada de todo pecado, teve sua fé provada a todo instante, desde
quando acolheu o anúncio de que seria a mãe do Filho de Deus.
Enfrentando as dificuldades da vida, com a graça de Deus, teve forças
para enxugar as lágrimas e confiar que a injustiça e a impunidade
jamais teriam a última palavra.
Por ter confiado no Senhor e
ter sido fiel aos desígnios de Deus, mereceu ter um nome bendito e
lembrado de geração em geração, como ela própria afirmou. Mais que
isso, mereceu ter a mesma vitória que seu Filho. A solenidade de hoje
recorda precisamente isto: por ela ter pertencido totalmente a Deus e
ter se entregado sem reserva à vontade de Deus, ela foi a primeira
associada à sorte de Jesus, como disse o apóstolo Paulo, na segunda
leitura: como em Adão todos morrem, assim também em Cristo todos
reviverão; porém, cada qual segundo uma ordem determinada: em primeiro
lugar, Cristo, como primícias; depois, os que pertencem a Cristo.
Ninguém como a própria mãe pertenceu tanto a Jesus. Entretanto, a
vitória da ressurreição de Jesus não para por aí, pois está chegando
até aos nossos dias. Quando o Papa Pio XII proclamou, em 1950, o dogma
da Assunção de Maria, ele não estava criando nenhuma verdade nova;
estava proclamando que é verdadeira a fé que desde o início do
cristianismo espalhou-se entre os discípulos de Jesus: Maria foi elevada
ao céu em corpo e alma; não poderia ter o corpo corrompido alguém que
deu à luz o Salvador do Mundo.
Como isto é algo que parece tão
incompreensível para muitas pessoas, não só podemos como temos até que
perguntar de que maneira tudo isto aconteceu. Na primeira leitura,
escutamos referência à Arca da Aliança, que era aquele baú sagrado no
qual estavam guardados os mandamentos que o Senhor havia dado a Moisés.
Se era tão sagrada essa arca, muito mais sagrada é a arca definitiva,
na qual se fez carne a Palavra de Deus. Maria é a nova e definitiva
Arca da Aliança, onde Deus mesmo quis colocar a semente da salvação. E
tudo isso foi possível porque Maria acreditou, não duvidou e deu
credibilidade à Palavra de Deus. Como escutamos no Evangelho, há pouco
proclamado, a própria Isabel disse que será cumprido na vida de quem
acredita o que o Senhor prometeu. Por isso, a Virgem Maria é bendita
entre as mulheres e, assim como Cristo, já tem realizada a glorificação
que nós ainda estamos aguardando e pela qual trabalhamos.
E o
mais bonito, meus irmãos e irmãs, é que todos os que creem em Jesus
reviverão, não somente depois da morte, mas desde o instante em que
acreditamos na sua Palavra. Às vezes, a Palavra de Deus parece
improvável e acreditar nela parece desvantagem diante das muitas
vantagens do dinheiro e do poder. Todas as pessoas que acreditam na
Palavra de Deus permanecerão lembradas para sempre e seus nomes
continuarão como estrelas, indicando o caminho para os que buscam um
novo horizonte.
Quem é Maria? É alguém do povo de Deus, que
esperava, como toda a sua gente, a vinda do Messias, daquele que traria
dias melhores. E o Messias chegou! O Messias, porém, não se fez grande,
mas pequeno; é o que serve sem ser servido; que veio para dar vida e
vida em abundância a todos, mesmo que isso significasse perder a própria
vida. Esta era a sua missão, mas, além disso, era a convicção mais
profunda de sua mãe. Ela sabia que Deus demonstra o poder de seu braço:
dispersa os orgulhosos, derruba os opressores, eleva os humildes, sacia
os famintos e destrói toda riqueza injustamente adquirida. Queremos
que a fé da Virgem Maria seja um estímulo para a nossa fé, que vacila
em tantos momentos.
Nesta hora, por exemplo, é como se
estivéssemos diante de um outro calvário. Estamos ouvindo o clamor de
tristeza de esposas e filhos, pais e irmãos, familiares e amigos, enfim,
de todo o povo de Pernambuco e do Brasil. Perguntemos à Virgem Maria
como é que ela foi capaz de permanecer de pé junto à cruz de seu Filho!?
Deus lhe deu forças, mas também lhe deu força a convicção que levou
seu Filho a amar-nos até o fim. O calvário não é o fim do percurso da
vida de Jesus, nem de seus discípulos. As trevas caem sobre nós, a
cortina da angústia encerra nosso coração, mas não podemos desistir. A
Virgem Maria está de pé junto à cruz e nós devemos, igualmente,
permaneceremos de pé. Fiquemos atentos ao que tem a nos dizer aquele
que está crucificado.
O que estes nossos irmãos falecidos têm a
nos dizer? Diante de seus corpos inertes, destruídos pela fatalidade,
ouve-se um silêncio que incomoda. Aqui estamos porque, no eco de suas
convicções, escutamos a mesma sede que o Filho de Maria teve: fome e
sede de justiça. Maria foi uma mulher forte que alimentou a coragem de
seu Filho para que ele não desistisse. A força do calvário não é a força
de um poder que mata inocentes, mas a força do amor que dá a vida, que
se preocupa com os pecadores e está atento aos humildes, aos
injustiçados, aos pobres. Naquele calvário, há um justo crucificado, que
teve sua voz abafada por quem lucrava com a corrupção e a miséria dos
outros. A voz de Jesus está hoje espalhada pelo mundo inteiro: é a voz
dos profetas dos tempos atuais que querem um mundo melhor e lutam
contra o pecado, que gera desigualdade social, é fonte de guerras e
conflitos, alimenta discriminações e preconceitos.
Apesar de
ser um cenário de tristeza aquele do calvário, há uma alegria que a dor
não abafa: está morto um homem que tem suas convicções vivas e que não
teve a fraqueza de vender sua consciência; ele discordou de tudo o que
não estava conforme a vontade do Pai e ousou questionar. Ensina-nos
até hoje a fazer o mesmo, seguindo seu exemplo. Ele revoluciona nossos
corações: amar a Deus sobre todas as coisas, amar nossos semelhantes
como irmãos e irmãs, ter como nossas as suas causas. Cristo ressuscitou
e, na nossa luta, onde dois ou mais estão reunidos em seu nome, ele
continua presente, interpelando-nos.
Estes nossos irmãos, cujos
corpos serão plantados na terra como sementes de esperança, vivem. Não
vivem somente na nossa lembrança, que tem dificuldade de acreditar que
morreram, mas vivem porque estão em Deus, na vida definitiva. Pelo
mistério da fé, estarão para sempre conosco e, aguardando o dia da
glorificação definitiva. Continuam nos inspirando a não desistir da
mesma luta que só trará o bem a nós e ao nosso povo. Quem acredita nas
causas de Jesus e vive lutando pelas mesmas convicções que levaram o
Filho de Deus à morte, experimentará a vitória de sua ressurreição.
Esta é a esperança que nos mantém firmes para um adeus tão doloroso.
No instante do acidente, todos aqueles que foram vitimados com nosso
prezado Eduardo Campos estavam unidos em torno dele, como irmãos e
amigos. Compartilharam com ele os mesmos ideais e participaram da mesma
morte. Tão grande era a amizade que os unia, que suas famílias,
igualmente enlutadas, estão aqui ao lado de sua esposa Renata Campos e
seus filhos. Nós também sentimo-nos de luto, não somente porque
Pernambuco e o Brasil perderam um grande líder, alguém realmente
vocacionado para a política, mas porque sentíamos nele, acima do gestor
que foi, um ser humano apaixonado pelo povo, especialmente os mais
empobrecidos; um católico de convicção que fazia questão de transmitir
para os filhos seus princípios de fé. Isso o aproximou muito de cada um
de nós, mesmo daqueles que nunca o viram de perto, mas que admiravam
seu jeito de valorizar a família como célula primeira e indispensável
de todo fundamento social. Nesses últimos dias, nas redes sociais,
foram veiculadas muitas imagens de Eduardo e nenhuma delas emocionou
mais que as que o apresentavam no aconchego do lar, em companhia da
esposa e filhos. Por ocasião do dia dos pais, seus filhos postaram um
vídeo emocionante. Naquele mesmo dia, que foi também o dia do seu
aniversário de 49 anos, estive com ele, pela última vez, na Missa de
encerramento da festa de São Lourenço Mártir, em São Lourenço da Mata.
Nós temos família e sabemos o quanto é importante uma família feliz.
Ontem, por coincidência, foi o encerramento da Semana Nacional da
Família, cujo tema para reflexão neste ano de 2014 foi A
espiritualidade cristã na família: um casamento que dá certo. Ou seja,
tudo a ver com a família que Eduardo e Renata procuraram constituir e
que viveram na alegria e na tristeza, na saúde e na doença, e que agora
continua tão firme e estável como antes, na saudade e no amor que não
morre.
No dia em que celebramos a Solenidade de Nossa Senhora
da Glória, peçamos à nossa mãe Maria que acolha sob o seu manto de amor
e misericórdia estes nossos irmãos que partiram e os apresente ao
Senhor que disse para Marta a irmã de Lázaro: “Eu sou a ressurreição e a
vida. Quem acredita em mim, mesmo que morra viverá. E todo aquele que
vive e acredita em mim, não morrerá para sempre. Você acredita nisso?”
(Jo.11,25-26).
Louvado seja Nosso Senhor Jesus Cristo!
Dom Antônio Fernando Saburido, OSB
Arcebispo de Olinda e Recife
mais em
http://www.diariodepernambuco.com.br/especiais/politica/acidente-eduardo-campos/
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